terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

SOBRE O COLETIVO DE ARTISTAS INTERMITENTE ABISMO DE SONHOS

Em atividade desde 2005, o coletivo nasceu da parceria entre artistas de dança, teatro e artes plásticas, que têm como principal motivação a produção artística em processo colaborativo de criação, intercambiando informações de diversas áreas numa obra artística desterritorializada e, contudo, essencialmente engajada com as urgências da contemporaneidade.

Recluso c.3.3, solo em que Edson Calheiros estreou como intérprete-criador sob a direção de Rui Ricardo Diaz, inspirou-se nos escritos de Oscar Wilde em De Profundis, para compor uma metáfora da existência humana em relação ao sofrimento, questionando até que ponto somos prisioneiros ou os próprios algozes de nossas vidas. Trechos da obra A Paixão segundo G. H., de Clarice Lispector também serviram de inspiração para a criação deste solo.

Desculpe o Transtorno, duo de Calheiros em parceria com Robson Ferraz estreou em 2006 com direção de Nana Pequini, cenografia de Gustavo Ayala e trilha sonora de Allen Ferraudo. Foi um segundo momento na investigação dança X teatro: os textos foram suprimidos como opção dramatúrgica, enquanto nos dedicamos a explorar mais a transição entre movimentos dançados e gestuais. Originalmente um solo, Desculpe o Transtorno buscava estabelecer relações entre os transtornos psicossomáticos e o caos urbano ao qual as pessoas estão sujeitas. Neste sentido, punha-se como crítica a uma mecanização do cotidiano, e uma crescente padronização que oprimia, em maior ou menor grau, a auto-realização humana.

Memorial do quarto escuro, terceiro trabalho do coletivo e o primeiro realizado com apoio financeiro da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, parte de processos presentes nos trabalhos anteriores para compor uma espécie de inventário íntimo, em que debruçando-se sobre memórias, buscamos levar o público a uma experiência de contato direto com sua própria arqueologia pessoal.
É, sem sombra de dúvida, o momento em que se definem melhor até então as motivações e modos próprios do coletivo propor arte, o que se reflete numa transição mais orgânica de dança, movimentos gestuais e voz na cena.

A investigação colaborativa atinge um novo patamar com Our love is like the flowers, the rain, the sea and the hours, quarto trabalho estreado meses depois do Memorial e que envolvia três intérpretes-criadoras – Natália Fernandes, Natália Mendonça e Poliana Lima -, além de mim. As proposições para a cena ganharam uma multiplicidade de soluções a partir dos quatro performers, o que nos levou a um trabalho cênico de grande abertura de significações e desdobramentos.
Inspirado na obra homônima de Martin Boyce, artista plástico dinamarquês, Our love... é uma reflexão poética não conclusiva, uma provocação sobre o espaço urbano e a viabilização das relações afetivas, e parte de células coreográficas, movimentações abertas e ações gestuais/teatrais para compor um mosaico de encontros e desencontros num espaço-tempo não definido mas que não é, por outro lado, alheio.

O coletivo trabalha atualmente na circulação de seus espetáculos e no processo de criação de uma nova obra que investiga a virtualização da realidade e as noções de sonho, tanto como faculdade onírica como possibilidade de sublimação da realidade. Pretendemos, mais uma vez, explorar o ponto em que as tradições e preceitos sociais, culturais e políticos encontram o desejo pulsante por uma vida plena, e os embates e vislumbres que nascem deste encontro.

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